Anastácio, nós, as regras e o relacionamento.


"Anastácio tinha um perfil perfeccionista, decidido e obstinado, mistura decorrente de um temperamento predominantemente colérico.
Ele era o cara que queria os pingos nos "is" bem redondinhos, bem no meinho.

Na umbanda, era assíduo frequentador da escola de curimba, um ogã dedicado e especializado na arte do Cabula*.
Era simplesmente o melhor!
Um dia, passou de homem de mãos calejadas pelo couro do atabaque, a Anastácio, o convertido, o homem de Deus, um crentão....nem crentão, mas um super-crente!

A voz rouca de puxar ponto durante anos a fio, agora falava aos quatro ventos da sua decisão.
    O terreiro quase veio abaixo quando soube da notícia, mas agora era assim e pronto, uma conversão radical, mudança da água pro vinho.


"Se nas obrigações do terreiro eu dava meu tudo, agora é que vou me entregar, ser o melhor para o meu Deus." , pensava ele.


    Começou a ler a Bíblia, sugar tudo o que podia, tinha sede de entender.
    Mergulhou de cabeça nos serviços da Igreja, com toda a dedicação e compromisso, qualidades inerentes à sua personalidade.
     Jejuava vários dias por semana, sonhando em alcançar a "estatura de varão perfeito".
    Quanto mais esforços fazia, mais perto da vontade do Senhor ele se sentia.


    Ia em todos os cultos infalivelmente, com gripe, debaixo de tempestade, com apagão e em dia de greve de ônibus.


Até na reunião da mulherada ele queria ajudar em alguma coisa e no final lá estava Anastácio, servindo chazinho com biscoito, todo feliz.



Nos primeiros meses quis ajudar na recepção nos cultos de domingo, ficar na porta, indicar lugares vagos, essas coisas.
Em seguida desejou ser diácono, mas por que não ser logo Pastor?


"Tudo pelo meu Deus, tudo pela obra do Senhor." , dizia de si para si, no auge das melhores intenções. 


O que deixou o homem neurótico mesmo foi conhecer o sermão do monte, as bem aventuranças. Enlouqueceu quando leu aquilo tudo. 
     Que coisa linda! Que modo de viver! Era um outro mundo, o avesso de tudo o que ele tinha visto e vivido até então, o sonho de consumo de toda pessoa que vive com o manual do perfeccionismo em punho. 
    Ele tinha que conseguir viver daquela maneira!


    Era tanto verbo bonito, tanta atitude radical de amor a Deus como cortar mão, arrancar olho, amar os inimigos, uma doideira só, tudo mexia com Anastácio no fundo da alma, principalmente a parte que dizia:"Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celeste!"

    Fez propósitos doidos para conseguir cumprir cada verso, para absorver cada palavra de Jesus e colocá-las em prática o mais rápido que pudesse.
 
     
No entanto, após um curto espaço de tempo dessa busca desenfrada pela perfeição, começou a perceber uma luta dentro de si, coisas que achava que não ia mais sentir, ameaças do velho eu.


Por mais que jejuasse e orasse, por mais cultos que participasse, por mais chazinhos que servisse, não conseguia se ver totalmente perdoado e aceito, era estranho.


    Não, isso não! Ele precisava ser o melhor servo para Jesus ficar alegre com ele, ser mais santo, ser mais puro, sem falhas, como um crente deveria ser.


    A cada vez que sua mente lhe traía, o mundo desabava.
    A cada vez que falhava, pensava em largar tudo.
    Se por algum motivo sua rotina de oração se atrapalhava, Anastácio se sentia o pior dos piores, o filho ingrato de Deus, um indigno.



E lá começava tudo outra vez: mais jejum, mais oração, mais Bíblia, mais atividades na Igreja."


A história de Anastácio parece irreal para você?

A dele pode ser que sim, mas e a sua, não teria pitadas grosseiras sutis dessa coisa gosmenta chamada fundamentalismo ou legalismo, como preferir??? 

Coisa gosmenta porque gruda, agarra, adere em lugares que ninguém consegue remover como na mente, no comportamento, nos padrões.

    A coisa mais difícil para nós, os chamados crentes, é aceitar que viver em Cristo é...
não ter nada que possamos fazer para que Ele nos ame mais ou menos. 

    Em Cristo, os demônios nos deixam, as maldições são quebradas, somos perdoados, mas a casta dorealizar para ser é a última que vai embora, quando vai. 
    Ô coisinha pegajosa!
    Foi sendo formada desde o berço, conforme ouvíamos:
    "-Se você não for bonzinho, vou ficar muito triste."
    "-Pare de fazer assim, senão a mamãe vai embora" 


    Frases como essas infelizmente formam pessoas que colocam amor no mesmo patamar que o merecimento (não vale ah, vale bater na mãe nem na avó depois de ler isso, hein?).
    Colaboram com uma expectativa inconsciente do toma-lá-dá-cá, do se-você-fizer-eu-te-dou.

Um lindo dia chega Jesus na nossa vida:
*O CARA
   *o tudo-de-bom
      *perfeito
         *amigo
            *conselheiro
               *santo 

    Alguém bom demais para pessoas como nós, alguém que não merecemos, de quem não somos dignos desamarradores de sandálias.

    Ele vem e não quer nada, não pede nada, muito menos que sejamos bonzinhos para sermos aceitos.
     Ele se aproxima e traz tudo: vida eterna, pão e vinho, mas nunca vai insinuar que vocês rachem a conta.


    Ele só pede uma coisa: que você e eu arranquemos nossa mente viciada da fôrma que nos prendia nos conceitos do perfeccionismo e que aceitemos a graça.
    Só assim vamos provar o gosto da boa, agradável e perfeita vontade de Deus.


    Crescer no entendimento, aperfeiçoar a fé, aprender a servir e amadurecer fazem parte de um curso natural e esperado de quem se converte, ou seja...
são realizações do servo inútil
    Nenhum mérito há em fazer o que é reto, nenhum honra existe se formos luz e sal.

    Não há degraus de conquista nos quesitos amor, perdão e salvação.

    Coitado do Anastácio, por servir a Deus como quem serve a Faraó.
    E coitados de todos nós, que entendemos isso no intelecto, mas ainda tropeçamos nas regras, esquecendo que santificação pelo relacionamento com Cristo é tão mais fácil.

*Toque específico de Atabaque


visite e seja muito edificado...

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"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."
Agostinho de Hipona
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